Capitulo 1

CAPÍTULO 1
O ACIDENTE

William já estava tenso desde cedo, quando acordou para ir à escola.
Estava inconformado com sua nota na prova de matemática. E o pior é que a escola exigia que seus pais assinassem!
Mas havia dado um jeito: a assinatura falsa pesava em sua mochila e ele torcia para que ninguém suspeitasse da autenticidade.
No colégio Midas não se ganhava nenhum bônus por notas altas. Mas coitado de quem tirasse notas abaixo da média. Uma carta era enviada para os pais do aluno e a assinatura era imprescindível para constar nos documentos da escola.
- Você vai para a lista negra, senhor William. – bradava a megera da matemática, com sua voz irritante.
- Você já possui mais advertências do que qualquer aluno daqui. – grunhia a professora com cara de louca varrida de ciências.
- Você não tem futuro, menino! – relinchava a mal amada de química e seus dentões.
Will havia perdido a conta de quantas vezes seu nome tinha ido parar na diretoria. Sua mãe, Jéssica, tentava ajudá-lo de todas as formas. Professores particulares, cursos extracurriculares, psicólogos, centro espírita, entre tantas outras tentativas. Sem resultado. Will queria que ela se orgulhasse. Queria fazer dela a mãe mais orgulhosa de todas.
- Will, acorde. Chegamos. – Jéssica o sacudiu.
- Hã? Mas já? – disse ele bocejando.
- Tem certeza de que o resultado da prova de matemática ainda não saiu? – ela perguntou, desconfiada.
- Hã? Ah, tenho. Deve sair hoje.
- Está bem então. Venho buscá-lo ao meio dia.
- Beleza. Bom trabalho, mãe.
Will desceu do carro e logo abaixou a cabeça iniciando a longa caminhada até a entrada da escola. Nesse caminho, estava acostumado a ouvir a mesma conversa todos os dias:
- E aí, babaca, vai tropeçar de novo?
- Fala, otário!
- Aí, moleque, se não trouxe o meu dinheiro, vou arrebentar você na hora do intervalo.
O resto do que ouvia não seria educado repetir... Por isso Will começava a pensar em coisas mais interessantes e logo se desligava daquele lugar. Deixava a cabeça viajar...
Após passar pelas grandes portas de entrada, Will começou a se sentir seguro novamente. Ali dentro era mais difícil que algo lhe acontecesse. Pelo menos, assim ele pensava.
- William Owen! – Gritou a diretora. A escola parecia tremer inteira no som daquela voz – Trouxe a carta assinada pela sua mãe?
- Hã? Ah, sim... Trouxe. – disse Will fuçando no bolso da frente de sua mochila.
- Anda logo com isso. Pode ir passando a carta!
- Aqui está... – ele entregou o papel assinado. – Prontinho!
- Hum, deixe-me ver. – por uns minutos, ela pareceu se fixar na assinatura. – Parece tudo ok.
- Então posso ir?
- Vá... Mas fique longe de problemas, moleque.
- Sim, senhora! – disse ele aos gritos quando o sinal começou a berrar nos seus ouvidos.
A primeira aula era de português. Will adorava o idioma apesar das dificuldades com a língua. Ele e sua mãe haviam se mudado para o Brasil há apenas 5 anos. Na época, Will tinha acabado de completar 9. Sendo assim, sua língua natal já era fluente. Ter que aprender outra língua, na marra, seria a maior dificuldade para alguém com déficit de atenção, como era o caso dele.
- Muito bem, classe, todos sentados. – pediu a professora Débora. – Hoje vamos estudar os verbos e suas conjugações.
Lamentos e murmúrios se fizeram ouvir. Débora fingiu não ser com ela e começou a explicar no quadro negro.
Essa era a única aula em que Will realmente se esforçava. Já que teria que morar no Brasil para sempre, que pelo menos, soubesse falar a língua.
O sinal para a segunda aula tocou e a professora de estudos sociais cumprimentou a classe.
Jorge, um dos melhores amigos dele na sala, deu um cutucão em Will e sussurrou:
- Hoje ela está muito gostosa... Olha aquele decote! Dá para ver tudo!
- Cala a boca, Jorge.
- O que é? Não gosta de mulher?
- Não dessa aí. – Will resmungou.
- Calem a boca aí no fundo. – a professora chamou a atenção dos dois.
Eles imediatamente ficaram quietos. Gisele era o tipo de professora que adoraria bater nos alunos com uma régua de madeira. E depois, provavelmente, os fazer ajoelhar no milho sem calças.
O terceiro sinal soou e o intervalo era de 20 minutos. Will e Jorge deixaram que toda a classe saísse para não serem chutados ou levarem trombadas “sem querer”, como acontecia na maioria das vezes.
- O que vai fazer à tarde? – Jorge perguntou.
- Vou ficar em casa, moscando. – Will respondeu, desanimado. – Por quê?
- Podemos almoçar no shopping e depois jogar fliperama, o que acha?
- Vou almoçar com a minha mãe. Depois peço para ela me deixar no shopping.
- Beleza. – Jorge respondeu desviando-se de uma cotovelada.
- Por que esses otários fazem isso?
- Porque eles não têm nada melhor pra fazer. – concluiu Jorge.
- Estou cansado desses caras.
- Como era lá em Nova York?
- Um saco, igual aqui...
- Você atrai esse tipo de coisa, então.
- Pois é... Acho que sim.
- Mas as meninas acham você um gato. – Jorge brincou, abraçando Will.
- Mas não querem papo porque eu sou chacota dos bocós.
- Se você conseguir deixar de ser o bobo dos outros, vai pegar toda a mulherada!
- Se for assim, vou morrer virgem. – concluiu Will, vendo no futuro uma sentença de morte.
Após ter seu sanduíche roubado, o que era normal acontecer com ele, Will voltou para a sala de aula com Jorge na sua cola. Eles ainda enfrentariam uma aula tripla de matemática com a professora Samira. Assim que ele colocou os pés na sala, soube que estava ferrado.
- Senhor William Owen, por favor, siga-me até a diretoria. – a professora de matemática estava nervosa.
- Estou ferrado. – ele concluiu em voz alta.
Enquanto as meninas olhavam com ar de pena e vontade de consolá-lo, os meninos gritavam e batiam os pés pela alegria de ver Will se ferrar. De novo.
- A professora Luana vai continuar do ponto em que parei na aula passada. Se eu ouvir um pio ou uma reclamação sobre vocês, serão suspensos na certa! – a temida professora bradou.
Na mesma hora a turma toda ficou bem quieta. Nem os marmanjos metidos a durões se manifestaram. A professora Samira falava sempre a sério.
- Siga-me, senhor William. – Samira pegou Will pelo braço para delírio dos garotos.
- O que eu fiz?
- Vai saber lá na diretoria.
Quando a porta da diretora se abriu, Will entendeu tudo. Sua mãe o olhava com ar de reprovação. A diretora o olhava com ar de “seu delinquente”. Will resolveu não olhar para a cara da professora Samira nesse momento.
- William, sente-se aqui meu jovem. – chamou a diretora apontando uma cadeira.
Will sentou-se ao lado de Jéssica tomando o cuidado de não olhar diretamente nos olhos dela. Ela deveria estar morrendo de raiva pela vergonha que ele a estava fazendo passar.
- William, em mais de 30 anos como diretora de escola, nunca conheci nenhum jovem como você.
“30 anos? Essa mulher deve ter uns 105, no mínimo!” – ele pensou.
- Você é relaxado, não se esforça, tem sérias dificuldades em se socializar e o mais grave de tudo: é um mentiroso! – ela bradou.
- Mentiroso? Eu? – Will tentou se fazer de bonzinho.
- Mentiroso sim. Como pôde falsificar minha assinatura? – interrompeu Jéssica.
- Mãe, eu não queria que sofresse mais.
- Devia ter me dito a verdade. O sofrimento seria menor. – disse enquanto lágrimas rompiam dos seus olhos.
- Desculpe, mãe. Fui um idiota.
- Will, essa é a sua terceira escola em cinco anos. Acha que teremos quantas opções ainda?
- Como assim? Estou sendo expulso, é isso? – perguntou olhando de Jéssica para a diretora.
- Isso mesmo. Você não é mais bem-vindo nessa escola.
- Espere. Prometo me esforçar. Vou dar tudo de mim. Mas não me expulse...
- Desculpe, mas o senhor teve sua chance e não soube aproveitar. – interrompeu Samira que estava como um sargento atrás deles.
- Professora, eu prometo que vou estudar. Dê-me mais uma chance? – pediu desesperadamente.
- William, a decisão já foi tomada. Todos os professores concordaram.
- Todos?
- Bem, apenas a professora Débora veio em sua defesa. Mas ela é uma contra quinze.
- Não vai voltar atrás, então? – perguntou sem esperanças.
- Não. Pode ir até a sala pegar suas coisas. – levantou-se a diretora indicando a porta de saída.
Will sentia-se um lixo. Enquanto sua mãe se despedia da diretora em meio a mil pedidos de desculpas, ele seguia para a sala de aula atrás da professora Samira.
- Pegue suas coisas e tente não atrapalhar a aula. – disse ela enquanto abria a porta da sala.
Will entrou cabisbaixo. Não queria que seu olhar cruzasse com nenhum outro a não ser o de Jorge. Will pegou sua mochila e guardou o caderno e o estojo de qualquer maneira. Jorge logo entendeu o que estava se passando.
- Não acredito, cara. – ele soltou.
- Depois a gente se fala. – disse Will encarando o amigo.
- Beleza.
Will jogou a mochila nas costas e resolveu sair de cabeça erguida. Afinal, nunca mais veria aqueles babacas. Ele deu uma última olhada para a mal humorada professora Samira antes de bater a porta atrás de si. Will imaginou que ouviria gritos de alegria, mas nada aconteceu. Ninguém queria tê-la como inimiga. Mas parecia que, mesmo que fechasse os olhos, sempre iria escolher as piores coisas, inclusive os piores inimigos.

vvv

Jéssica aguardava por Will com o carro ligado. A cara fechada e o bico denunciavam que ele estava realmente ferrado.
- Mãe? Você precisa entender que...
- Eu não preciso entender mais nada. É você que precisa entender uma coisa: acabou Will. Você fica sem estudar esse ano. Não quero mais passar vergonha por sua causa. Enquanto você não aprender a ser gente, não vai voltar à escola!
- Eu vou tentar, mãe. Vou me esforçar mais.
- Eu não quero saber. Você foi longe demais dessa vez.
- Essa escola é que é um saco! – ele desabafou.
- Todas as escolas são um saco para você! Será que todas elas estão erradas e só você é que está certo? – Jéssica nunca gritou com ele, mas estava fazendo isto naquele momento.
- Mãe...
- Cale a boca, Will! – Jéssica tirou as mãos do volante e as levou à cabeça.
- Cuidado! – ele gritou enquanto agarrava o volante do carro.
Aconteceu muito rápido.
Tudo se apagou. A primeira coisa que Will escutou foi o barulho distante das sirenes se aproximando. Ele não conseguia abrir os olhos e nem se mexer. Sentia o asfalto quente queimando seu rosto e o gosto de sangue descendo pela sua garganta. Mãos repentinamente lhe puxaram e a dor explodiu pelo seu corpo. Só restou a escuridão..
Vozes de homens e de mulheres sussurrando ao seu redor o tiraram do torpor em que se encontrava. Sonhava que estava no Central Park, andando de bicicleta com seus pais. Quando abriu os olhos, notou que estava bem longe do Central Park e que não andaria de bicicleta por um bom tempo. A dor veio junto com a consciência.
- Ele está acordando. – alguém falou.
- Não digam nada a ele, ainda. – uma voz de mulher pediu.
- Olá, William. Meu nome é Doutor Zara. – o homem de branco se apresentou.
- Onde estou? – Will conseguiu perguntar.
- No Hospital das Clínicas. Você se lembra de alguma coisa?
- Não.
- Lembra-se com quem estava?
- Não.
- Lembra-se de alguma coisa do dia de hoje?
- Não.
- Muito bem, William. Descanse. Amanhã conversaremos. – despediu-se o doutor.
Will ficou olhando o homem de branco sair da sala. Duas mulheres o seguiram, dirigindo um olhar de pena para Will. As dores passaram de repente. Parecia estar completamente dopado. Logo seus olhos se fecharam e o carregaram novamente para o mundo dos sonhos.
Will abriu os olhos, depois de certo tempo, tentando se adaptar às luzes do dia nublado que entravam pela janela. Notou estar sozinho em um quarto com janelas de vidro por todos os lados. Ele podia ver o céu lá fora e as pessoas passando pela porta do quarto, do outro lado. Via também os outros quartos que, como o dele, possuíam janelas de vidro nas quatro extremidades.
Will tinha um respirador em seu nariz. Também notou que, de seus dois braços, saíam canos que se ligavam a líquidos de cor estranha. Olhando um pouco mais abaixo, ele percebeu que sua perna direita estava bem machucada.
Antes que pudesse pensar em chamar alguém, o doutor Zara entrou com um sorriso nos lábios.
- Bom dia, William. Como está se sentindo? – cumprimentou ele, com os olhos no prontuário.
- Bem. Eu acho.
- Ótimo. Dormiu bem?
- Como um anjo.
- Perfeito. – ele disse preenchendo alguma coisa no prontuário.
- Minha mãe, onde está?
O sorriso do rosto do doutor Zara sumiu repentinamente após a pergunta. Ele olhou para Will e colocou o prontuário no lugar.
- Você se lembra do que aconteceu ontem?
- Eu me lembro de sair da escola com a minha mãe aos berros.
- Certo. E depois?
- Uma luz. Muito forte.
- Luz? Onde?
- No meio da rua. Eu pensei ser uma pessoa. Não dá pra afirmar.
- E então?
- Lembro que peguei no volante e joguei o carro para o lado.
- Para desviar da luz?
- Isso.
- E então?
- Não me lembro de mais nada.
O doutor Zara chegou mais perto e sentou-se na cabeceira de Will. Ele olhou fundo nos olhos do garoto e pensou com calma no que iria dizer.
- Will, sua mãe está viva.
- Onde ela está?
- Aqui mesmo, nesse andar.
- Eu quero vê-la.
- Você não está em condições.
- Como ela está?
- Viva.
- Viva? É só isso o que tem a me dizer?
- Coma... Ela está em estado de coma.
Will abriu a boca e arregalou os olhos para o doutor. A palavra coma ecoava em sua mente, teimando em não se fazer real.
- Coma? – ele disse quase em um sussurro.
- Will, é melhor assim. Ela está bem machucada. Teve traumatismo craniano. Se não estivesse em coma, estaria sofrendo bastante.
- Ela vai viver?
- Não posso afirmar nada agora. Tudo depende da reação do corpo dela aos medicamentos e ao tratamento.
- Foi tudo minha culpa. – Will soltou para o nada.
- Sua culpa?
- Eu a deixei nervosa.
- Não se culpe. Foi um acidente.
- Você não entende. Ela confiava em mim e eu a fiz perder essa confiança.
- Will, tente descansar. Assim que você estiver melhor eu o levo para vê-la.
- Eu quero ir agora.
- Impossível.
- Por favor?
- Vamos fazer o seguinte: hoje você vai obedecer a todas as regras, certo? Amanhã voltamos a conversar.
- Quanto tempo eu ficarei aqui?
- O tempo que for necessário.
- E minha mãe?
- Não sei, Will. O coma é algo indefinível. Não dá para saber.
Will fechou os olhos segurando as lágrimas que queriam sair correndo. Ele sentiu a mão do doutor Zara em seus cabelos rebeldes.
- Descanse. Venho vê-lo mais tarde.
- Cuide bem dela. – pediu Will.
- Farei isso.
- Obrigado, doutor. – ele agradeceu entre lágrimas.
O dia todo dormia e acordava, sem noção do tempo. Will não sentia mais nada. Quando olhou novamente pela janela lateral, notou que já era noite.
Como prometido, o doutor Zara retornou para a visita da noite. Ele cumprimentou Will e foi direto ao prontuário.
- Você se comportou bem hoje.
- Isso quer dizer que...
- Isso quer dizer que vou permitir que veja sua mãe.
- Agora? – Will disse já se erguendo da cama.
- Hei. Acalme-se. Agora não. Amanhã à tarde.
Will retornou ao lugar contrariado. Ele desviou os olhos para a lua que brilhava longe no céu.
- Como ela está?
- Na mesma.
- Amanhã à tarde, então?
- Isso mesmo.
- Então até amanhã, doutor. – disse Will, tentando virar-se de lado para ficar de costas para o doutor Zara.
- Boa noite, William.
As enfermeiras entraram e saíram à noite toda do quarto dele. Verificavam sua pressão e o nível do soro constantemente. Desde que chegara ao hospital, Will não havia ingerido nada além de medicamentos e soro.
Logo pela manhã, Will teve uma grande surpresa ao acordar. Jorge estava sentado em uma cadeira jogando um minigame e mascando chiclete. Falar sobre o chiclete é extremamente necessário, pois ele parecia uma vaca ruminando.
- Jorge?
- Hei, cara! Achei que teria que chamar o príncipe encantado. Já passa das onze!
- Caramba! Dormi tudo isso?
- Se dormiu eu não sei. Mas roncou, hein! – Jorge deu uma boa gargalhada.
- O que você está fazendo aqui? Como soube?
- Fiquei sabendo hoje cedo. Um policial foi até a escola. Ele queria informações sobre familiares ou a quem pudesse interessar.
- Como ele chegou até a escola?
- Pelo seu material. Constava o endereço da Midas.
- Quem o trouxe?
- A diretora. Ela está aí fora conversando com um médico.
- E por que ela se interessaria?
- Qual é cara. Ela não é tão monstruosa assim. Ela sabe que vocês não têm ninguém no Brasil e queria saber se poderia ajudar em alguma coisa.
- Beleza.
Uma batida na porta se fez ouvir e a cabeça da diretora Lena apareceu.
- Posso entrar, William?
- Claro.
- Sinto muito pelo que aconteceu.
- Tudo bem. Sabe alguma notícia da minha mãe?
- William, infelizmente ela ainda está em coma.
- Cara, o que você vai fazer? – Jorge perguntou aflito.
- Não sei. Ela precisa ficar boa.
- Vocês têm parentes em Nova York, não é? – perguntou Lena.
- Não.
- Tem parentes em outro lugar então? – a diretora insistiu.
- Não que eu saiba.
- Como assim, William? Deve ter algum parente na face da Terra!
- Minha mãe era filha única. Por incrível que pareça os pais dela também eram.
- E o seu pai?
- Morreu quando eu tinha três anos.
- Mas ele tinha parentes, não tinha?
- Não sei de nada sobre o meu pai. Minha mãe não fala muito nele.
- Minha nossa, William.
- O que foi?
- Você é menor de idade. Se sua mãe continuar em coma, você ficará sendo problema do governo.
- Como assim? – Will se ajeitou melhor na cama.
- William, provavelmente, você será mandado para um orfanato.
- Brincou? – soltou Jorge.
- O quê? – Will desesperou-se. – Mas eu tenho mãe!
- Tecnicamente. Mas ela não está apta a cuidar de você.
- Pelo amor de Deus! Precisa me ajudar, diretora!
- Não sei o que poderei fazer. Vamos aguardar, está bem?
O almoço chegou quando Jorge e a diretora se despediam de Will. Ela pedia calma enquanto Jorge olhava o que havia dentro das bandejas fechadas.
- Hum, estrogonofe! Você vai passar bem hoje. – Jorge comentou seguindo Lena em direção à saída.
A enfermeira sorriu quando colocou a bandeja de salada em frente a Will. Ela a destampou e lhe entregou os talheres.
- Hoje você vai comer comida de verdade. – ela puxou assunto.
- Estou sem fome.
- O doutor Zara me disse para relatar qualquer tentativa de não se alimentar.
- Chantagem?
- Exato.
- Tudo bem... Pode mandar chuchu com jiló que eu vou mandar bala! – Will disse seriamente.
- Não vai ser necessário tanto sacrifício. Coma apenas o que eu lhe trouxe, está bem?
- Aí vou ver minha mãe, certo?
- Certo. – ela disse lhe entregando o guardanapo de papel e o copo com suco de uva.
- Obrigado. – Will agradeceu comendo um bom punhado de folhas e tomate.
Após o almoço ele ficou esperando a visita do doutor, que não apareceu. Logo o sono começou a ficar mais incontrolável até que Will se entregou.
Sonhos malucos vagaram na sua mente.
Um grande portal de luz em um lugar completamente escuro e assustador.
Havia um trono vinho, onde um ser horrendo olhava para ele.
Will fugiu na escuridão e, repentinamente, começou a cair num precipício. O baque da queda fez seu corpo todo tremer.
Abriu os olhos no quarto do hospital repentinamente.
- Eu já estava indo embora. – disse o doutor Zara.
- Pensei que não viria. – disse Will ainda assustado com o sonho.
- Eu costumo cumprir com a minha palavra.
- Vou poder ver minha mãe agora?
- Pode. Vou chamar o segurança para me ajudar a levar você.
- Obrigado, doutor.
- Não precisa agradecer. Desde que continue a colaborar com a gente.
Logo Will já estava sobre uma cadeira de rodas e foi empurrado pelo médico até o final do corredor, onde havia uma porta dupla com a placa indicativa: Centro de Terapia Intensiva.
Outro segurança abriu as portas para que eles passassem. A sala era ampla, onde vários leitos faziam uma fila que parecia interminável, com baias que separavam os pacientes.
Will começou a ficar nervoso com o que iria encontrar. Passaram por várias camas até que se detiveram em frente a uma delas.
No prontuário médico estava escrito: Jéssica Owen.
Sua mãe tinha tubos que entravam por todos os lados e seu rosto estava bem machucado, inchado, quase irreconhecível devido aos hematomas que davam um tom esverdeado a sua pele. Will notou que ela havia levado pontos no supercílio e também próximo ao maxilar.
- O carro capotou, Will. Vocês foram jogados para lá e para cá. Sua mãe teve cortes no rosto e também no braço esquerdo. Os policiais disseram que em determinado momento o cinto dela deve ter se soltado.
- Ela está toda roxa. – disse Will, trêmulo, segurando a mão de Jéssica.
- Sei que os hematomas assustam, mas dentro de duas semanas devem ter sumido. – acalmou o médico.
- Ela teve alguma reação?
- Nada ainda.
- Não dá pra saber quando ela vai acordar?
- Como já disse, Will, fica difícil saber. Não dá para fazer suposições. Estamos longe de entender como funciona o coma.
- Tem gente que nunca mais acorda, estou certo?
- Está. Ela pode tanto acordar em uma hora como nunca mais.
- Nunca mais é muito tempo... – disse Will beijando a mão dela.